sexta-feira, 16 de outubro de 2009

CRITICA DE ARIANO SUASSUNA SOBRE O FORRÓ ATUAL


‘Tem rapariga aí? Se tem, levante a mão!’. A maioria, as moças, levanta a mão. Diante de uma platéia de milhares de pessoas, quase todas muito jovens, pelo menos um terço de adolescentes, o vocalista da banda que se diz de forró utiliza uma de suas palavras prediletas (dele só não, de todas bandas do gênero).

As outras são ‘gaia’, ‘cabaré’, e bebida em geral, com ênfase na cachaça. Esta cena aconteceu no ano passado, numa das cidades de destaque do agreste (mas se repete em qualquer uma onde estas bandas se apresentam).

Nos anos 70, e provavelmente ainda nos anos 80, o vocalista teria dificuldades em deixar a cidade.

Pra uma matéria que escrevi no São João passado baixei algumas músicas bem representativas destas bandas. Não vou nem citar letras, porque este jornal é visto por leitores virtuais de família.

Mas me arrisco a dizer alguns títulos no mínimo deploráveis, que bem retratam o atual nível dito cultural das massas. Infelizmente vamos lá:

Calcinha no chão (Caviar com Rapadura),
Zé Priquito (Duquinha),
Fiel à putaria (Felipão Forró Moral),
Chefe do puteiro (Aviões do forró),
Mulher roleira (Saia Rodada),
Mulher roleira a resposta (Forró Real),
Chico Rola (Bonde do Forró),
Banho de língua (Solteirões do Forró),
Vou dá-lhe de cano de ferro (Forró Chacal),
Dinheiro na mão, calcinha no chão (Saia Rodada),
Sou viciado em putaria (Ferro na Boneca),
Abre as pernas e dê uma sentadinha (Gaviões do forró),
Tapa na cara, puxão no cabelo (Swing do forró).

Esta é uma pequeníssima lista do repertório das bandas.


Porém o culpado desta ‘esculhambação’ não é só exatamente as bandas, e os empresários que as financiam, já que na grande parte delas, os ditos cantores, músicos e bailarinos são meros empregados do “cara” que investe no grupo.

O rombo é mais embaixo. Na história recente, temos um caso de degradação e barbárie de um país inteiro. E aí faço um paralelo com o “turbo folk”, um subgênero musical que surgiu na antiga Iugoslávia, quando o país estava esfacelando-se.

Dilacerado por banalização, roubo, guerras étnicas, em pleno governo do tresloucado Slobodan Milosevic surgiu o turbo folk, mistura de pop, com música regional sérvia e oriental.

As estrelas da turbo folk vestiam-se como se vestem as vocalistas das bandas de ‘forró’, parafraseando Luiz Gonzaga, as blusas terminavam muito cedo, as saias e shortes começavam muito tarde.

Numa entrevista ao jornal inglês The Guardian, o diretor do Centro de Estudos alternativos de Belgrado, Milan Nikolic, afirmou, em 2003, que o regime Milosevic incentivou uma música que destruiu a decência, a ética e o bom-gosto e relevou o primitivismo bestial.

Pior, o glamour, a facilidade estética, pegou em cheio uma juventude sem parâmetros de valores fundamentais, que cultuou a degradação moral e ética, perdeu a crença nos políticos, nos valores morais de uma sociedade dominada pela degradação moral e pelo roubo generalizado.

Tomada pela máfia em todos os níveis e esferas da sociedade, inclusive no executivo legislativo e judiciário, que, por sua vez, dominava o governo. Será que qualquer semelhança parece ser mera coincidência?


Aqui o que se autodenomina ‘forró estilizado’ continua de vento em popa ladeira abaixo. Tomou o lugar do forró autêntico nos principais arraiais juninos do Nordeste.

Sem falso moralismo, nem elitismo, um fenômeno lamentável, e merecedor de maior atenção. O estado moral do Brasil é deplorável.

É lamentável ver a perversidade dos pensamentos e sentimentos que se alastra pelos corações e mentes cauterizadas pela imbecilização.

Quando um vocalista de uma banda de música popular, em plena praça pública, de uma grande cidade, com presença de autoridades competentes (e suas respectivas patroas) pergunta se tem ‘rapariga na platéia’, alguma coisa está fora de ordem.

Quando canta uma canção (canção?!!!) que tem como tema uma transa de uma moça com dois rapazes (ao mesmo tempo), e o refrão é:

‘É vou dá-lhe de cano de ferro/e toma cano de ferro!’, alguma coisa está muito doente. Sem esquecer que uma juventude cuja cabeça é feita por tal tipo de música é a que vai tomar as rédeas do poder daqui a alguns poucos anos.
Ariano Suassuna

Observação:


Ariano Suassuna foi bastante criticado, numa aula no ano passado, por ter malhado uma música da Banda Calypso, que ele acha no mínimo de mau gosto. Vai daí que mostraram a ele algumas letras das bandas de ‘forró’, e Ariano exclamou: ‘Eita que é pior do que eu pensava’. Do que ele, e muito mais gente jamais imaginou.


Realmente, a coisa está muito errada com esse país, quando um povo levanta a mão pra se vangloriar, dizendo-se: “rapariga, cachaceiro, que gosta de puteiro”, ou quando uma mulher canta: “sou sua cachorrinha”.

Porque hipocritamente se diz “chocado” quando os políticos, que aliás, são escolhidos por esse mesmo povo, são flagrados com todo tipo de falcatruas? Será que o atual nível de imbecilização popular acha que essa não é a outra face da mesma moeda? Como diz João Ubaldo: “a coisa está generalizada”.

O princípio universal afirma que uma moeda é constituída por duas faces: “cara e coroa”; E Isso é só o começo. Será que alguém possuidor do mínimo senso não percebe que tudo isso é arquitetado e orquestrado pelos que realmente detêm o poder?

Não estamos falando simploriamente dos inquilinos do poder, mas, daqueles que não aparecem, e estão configurando a mentalidade chula de uma massa cada vez mais imbecilizada.

Leiam Antonio Gramsci que vão saber do que se trata.Como podemos querer pessoas honestas, sérias e competentes?

E não pensem que uma coisa não tem a ver com a outra não, pq tem e muito! E como as pessoas hipocritamente reclamam por respeito e consideração? Se hoje elas pedem ‘ferro’, ‘quero logo 3′.

Os homens estão respondendo. Vamos repassar essa mensagem adiante. Não estamos hostentando nenhuma bandeira de falso moralismo.

Não, não se trata disso. Todavia, se trata de respeito aos mais básicos, e elementares princípios de dignidade a vida. Os imbecís, mentecaptos e estúpidos não podem continuar gritando e vibrando por se dizerem “putas e raparigueiros” passivamente não. Reflitam sobre isso.

Se gosto fosse gosto… então não deveríamos reclamar e protestar por que uma pessoa simplesmente afirma que que gosta de roubar, matar, destruir , defraudar etc…

Porque reclamam, sabendo que uma moeda possui as duas faces? Se a moeda que está sendo cunhada nesse país é a da degradação, o troco já está aí circulando como moeda corrente do mal!

Da net

27/09/2009

Ariano Suassuna é um dos mais importantes dramaturgos brasileiros, autor dos célebres Auto da Compadecida e A Pedra do Reino, é um defensor militante da cultura do Nordeste.

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