segunda-feira, 13 de julho de 2009

Dois crimes, duas visões, duas medidas, duas justiças


Ao andar pelo centro de Fortaleza, na tarde sem presença do sol, próximo ao Beco da Poeira, em frente à Praça da Lagoinha fui testemunha de dois crimes. Um jovem saiu cavando espaço na velocidade de bala entre a multidão. Gritos surgiram de pega ladrão. Muitos saíram atrás, já com pedra na mão. A senhora assaltada sentou na calçada e pediu ajuda ao santo coração. A correria foi grande em cima deste ladrão. Uma ruma de gente tropeçando e atropelando dentro da praça, o ladrão em brasa. Pegaram o ágil ladrão. Muitos armados de pau e pedra começaram a bater, a desmolarizar, a maltratar o ladrão. Chutes e pontapés da multidão tentavam ensiná-lo a honestidade.
Em frete ao Beco da Poeira fiquei aos olhos de dois crimes, e a população indignada a fazer justiça com as próprias mãos. Comoveu-me ver dois reais sendo roubado e uma surra quase mortal ao corpo saltitante antes da polícia chegar. Não que o tal ladrão tenha feito uma coisa certa. Não que a multidão tenha feito a justiça acertada. A revolta é grande, a segurança de menos. Mas, uma coisa me veio a cabeça: tanta gente rouba muito mais e atinge muito mais pessoas de uma única paulada nos bolsos, e a mesma multidão que correu e pegou o ladrão fica calada, imóvel, infanda ao mundo do contentamento do silêncio e da falta de indignação.
Talvez seja por conta da aproximação do povão. O ladrão estava próximo demais as vítimas. O risco de reação e de ser descoberto eram enormes, e nem adianta tentar comprar os olhos dos populares, a vigília coletiva alcança mais alto do que o egoísmo particular. Em escritórios, gabinetes o despacho do crime fica abafado pelas paredes, mas um dia os papéis mostram toda a verdade, e as assinaturas deixam pista da malandragem. A pouca distância de vítimas e criminosos é coisa que não acontece com os ladrões corteses da alta sociedade. Na mesma hora na praça a multidão aplicou sua revolta a cada soco, a cada esmurrada, paulada, a espera da polícia levar ao xilindró, e mais peia comer no coro. Apanharia ainda mais às escondidas quando os homens da lei arrastar até as grades.
Quando as algemas laçam sobre os braços de ricos sonegadores, enganadores, corruptores, corruptos e ladrões engravatados de milhões, a fraudar milhões de brasileiros em uma canetada só, a sociedade protetora da sacanagem da ostentação valiosa prepara todo um discurso para deslustrar o brilho da honestidade de quem investigou a malandrice. Vem discurso de tudo que é canto para salvar a reputação dos que vivem a chupar seja o erário público como o privado. A justiça faz a coisa ficar sóbria, a polícia pede arrego, e a sociedade não vai desesperada correndo atrás com pedras, paus, socos e pontapés para fazer justiça com as próprias mãos.
Se é para linchar e tirar de circulação os criminosos, acabar de uma vez a cultura da improbidade vamos correr atrás, com a mesma vontade que corremos atrás dos ladrões pé de chinela das praças. Lincharemos então os políticos que tiram daqui e deixa hospital público a matar pela falta de assistência. Se é para linchar com pedras acabemos com os sonegadores de luxo que mandam em nossa cidade. Lincharemos em praça pública empresários nefastos que colocam seus interesses acima dos coletivos. Pauladas e pontapés até a morte em juízes, promotores, desembarcadores que negociam suas sentenças ou se deixam influenciar sobre pressões do dinheiro, do poder. Socos em todos aqueles que se aproveitam dos cofres públicos e matam milhares de pessoas por deficiência de algum órgão que leve assistência coletiva. Murros em irresponsáveis formadores de opinião e veículos de comunicação que engole parte da notícia para celebrar os sofisticados delinqüentes.
Enquanto a multidão mata ladrão que rouba bombons, a mesma aplaude de pé políticos e empresários que saem da prisão, na calada da madrugada, sobre aclamação da justiça, glorificação da política e festa da podridão. Processo para alimentar os vermes e parasitas das gavetas, enquanto que o pobre superlota cadeias.
Mas, o preso rico é velhinho, é coitadinho, não merecia estar ali dentro naquele sufoco! As escutas telefônicas que incriminam foram feitas ilegais, sem autorização da dita justiça! Não é preciso algemas para o rico que não reage a prisão, braceletes de ouro ficam mais chiques! Aceita chá, café, ar condicionado e televisão? Tratamento diversificado desde as propinas da investigação a prisão de alguns dias. Quando, e se for julgado algum dia terá água tratada, comida quentinha, bolo e diversão. Nada de calor abafado, superlotação. São procedimentos legais para calar a boca da multidão.
Ache bom ou ache ruim, não temos ainda responsabilidade de justiça com marginais de garbo e elegância, é isto!

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